As caixas

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Lambe-lambe

Quando decidimos sair da galeria e ir às ruas, a ação de colar, no Centro do Recife, cartazes tipo lambe-lambe de reproduções das caixas de correio de Marselha passou a ser o pilar da exposição. Como tais caixas postais foram descontextualizadas do uso como objetos pelo tempo, retiradas do local como fotos, transportadas para outra cidade como exposição, expandidas na forma de intervenções urbanas na tentativa de ressignificá-las na paisagem local, elas foram postas em trânsito, caminho de passagem entre representação do estado bruto e imutável de objeto, de coisa, para o estado impermanente e interpretativo da imagem.

As caixas, que representavam outrora certa imponência, visível pela riqueza do material, já não são mais terminais de correspondência; foram abandonadas pela falta de uso, degradadas pela pouca manutenção, tornando-se índice de uma comunicação já praticamente perdida, mas que a própria cidade tratou de redefinir em várias camadas de histórias e matérias.  

Recontextualizada no Recife, a velha caixa postal aponta para a comunicação perdida entre a cidade e muitos de seus usuários. Embora o Centro seja ainda bastante ativo e usado, sua percepção foi coisificada, limitada à sua presença material, sem valor simbólico ou afetivo. Estado e cidadãos deram-lhe as costas. A especulação imobiliária quer agora voltar à área, cortando todo laço de comunicação entre habitações recentes e antigas, entre novos e velhos habitantes, entre novidade e memória. Enclaves são erguidos com muros enormes e barreiras que impedem o discurso e o olhar de fluírem. Impedem comunicação. Os cartazes espalhados das caixas de correio têm intenção de desobstruir discursos e sentimentos sobre a cidade, sobre a arte, sobre o outro, ou, ao menos, instigar um pouco o olhar dos que passam, de modo que a cidade volte a ser imagem em seus olhos, volte a comunicar com seus códigos, memórias, sentimentos.

O objeto artístico foi pulverizado em várias ações, tendo apenas significado no olhar dos atores urbanos, como imagem da cidade. Tornaram-se inquietações, pequenas derrapadas do hábito visual, releituras constantes da paisagem, reaproximação afetiva com a cidade, mapas subjetivos, comunicação. A exposição, finalmente, está na cidade e aí ficará, ao relento de suas transformações, ritmos, temperaturas, odores e culturas. 

cartaprorecife
Algumas dessas imagens sofreram intervenções de outros artistas que lhes adicionaram suas relações com a cidade. Tais intervenções celebram o fluxo constante de recriação imagética e a apropriação natural dessas imagens por outros olhares. Acabaram virando também uma espécie de carta, agora endereçadas ao Recife. Uma carta também no sentido de mapa, cartografia afetiva, desenhado pelas ações em diferentes pontos do centro, onde eles escolheram de deixar suas mensagens.

Fotos: Camilo Soares
























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